POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ

POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ

sábado, 20 de fevereiro de 2010

A Psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos - SIGMUND FREUD

SENHORES:

Estamos cada vez mais convictos da falta de fidedignidade das declarações feitas por testemunhas, sobre as quais, entretanto, se apóiam tantas condenações nos tribunais. Esse fato levou-os, futuros juízes e defensores, a se interessar por um novo método de investigação, que se propõe a induzir o próprio réu a estabelecer sua culpa ou inocência por meio de sinais objetivos. Esse método consiste numa experiência psicológica e se baseia em pesquisas da mesma ordem. Está estreitamente ligado a certas concepções que só muito recentemente chegaram ao conhecimento da psicologia médica. Sei que os senhores, por meio do que poderíamos chamar de ‘exercícios simulados’, já se ocupam em testar as possibilidades e a utilização desse novo método, e aceitei com prazer o convite do professor Loffler, que preside este seminário, para explicar-lhes de forma completa a relação entre esse método e a psicologia.
Todos conhecem aquele jogo de salão, também apreciado pelas crianças, em que alguém deve acrescentar a uma palavra escolhida ao acaso uma outra, sendo o resultado uma palavra composta; por exemplo ‘steam’ (vapor) e ‘ship’ (navio), dando ‘steam-ship’ (navio a vapor). A ‘experiência de associação’ introduzida na psicologia pela escola de Wundt nada é do que uma modificação desse jogo infantil, do qual se suprime uma regra.
A experiência é a seguinte: apresenta-se uma palavra (denominada ‘palavra-estímulo’) ao individuo que se está submetendo a experiência e ele deverá responder com uma outra palavra (denominada ‘reação’) o mais depressa possível, não havendo nenhuma restrição em sua escolha dessa reação. Devem ser observados os seguintes detalhes: o tempo exigido para a ‘reação’ e a relação – que pode ser de diversos tipos – entre a palavra-estímulo e a palavra-reação. Como era de esperar, essas experiências não produziram inicialmente muitos frutos, tendo sido realizadas sem uma finalidade definida e sem uma diretriz pela qual se pudessem avaliar os resultados. Essas ‘experiências de associação’ só se tornaram significativas e proveitosas quando, em Zurique, Bleuler e seus discípulos, especialmente Jung, começaram a lhes dedicar atenção. O valor das experiências realizadas pelo grupo deriva-se de terem partido da hipótese de que a reação a palavra-estímulo não podia ser fruto do acaso, mas devia ser determinada pelo conteúdo ideativo presente na mente do sujeito que reagia.
Habituamo-nos a denominar de ‘complexo’ todo conteúdo ideativo que é capaz de influenciar a reação a palavra-estímulo. Essa influencia ocorre quando a palavra-estímulo toca diretamente o complexo, ou quando o complexo estabelece contato com a palavra através de elos intermediários. A determinação da reação é realmente um fato muito singular, e a literatura do assunto reflete o indisfarçável assombro que a mesma tem provocado. Mas não há como duvidar de sua veracidade, pois, via de regra, perguntando ao próprio sujeito as razoes de sua reação, é possível expor o complexo atuante e esclarecer relações que de outro modo não seriam inteligíveis. Exemplos como os que Jung nos apresenta (1906- 6 e 8-9) fazem-nos duvidar da incidência da casualidade nos eventos mentais ou de sua pretensa arbitrariedade.
Façamos agora um breve exame dos antecedentes dessa concepção de Bleuler e Jung de que a reação do sujeito submetido a exame é determinada pelo seu complexo. Publiquei em 1901 uma obra na qual demonstrei serem de determinação rígida toda uma série de atos que se acreditava imotivados, contribuindo assim, em certo grau, para limitar o fator arbitrário em psicologia. Usei como exemplos as pequenas falhas de memória, os lapsos de língua e de escrita, e o extrativo de objetos. Mostrei que o responsável por um lapso de língua não é o acaso, nem a semelhança no som, nem uma simples dificuldade de articulação, mas que em todos os casos podemos descobrir um conteúdo ideativo perturbador, isto é, um complexo, que alterou o sentido da fala intencionada sob a forma aparente de um lapso de língua. Além disso, examinei pequenos atos aparentemente casuais e gratuitos – por exemplo, o hábito de brincar ou de manusear um objeto, e outros semelhantes – e demonstrei que são ‘atos sintomáticos’, ligados a um sentido oculto e cuja finalidade é expressar discretamente esse sentido. Descobri que nem mesmo um prenome nos vem a mente de forma arbitraria, tendo sido sua escolha determinada por algum poderoso complexo ideativo. Até mesmo números que acreditávamos ter escolhido ao acaso podem ser relacionados com a influência de um complexo oculto dessa espécie. Poucos anos depois disso, um colega, o Dr. Alfred Adler, pôde corroborar essa minha singularíssima afirmação com alguns exemplos notáveis (Adler, 1905). Depois que nos habituamos a essa concepção do determinismo na vida psíquica, sentimo-nos justificados em inferir das descobertas da psicopatologia da vida cotidiana que as idéias que ocorrem ao sujeito numa experiência de associação podem também não ser arbitrárias, mas determinadas por um conteúdo ideativo nele atuante.
Senhores, voltemos a examinar a experiência de associação. No tipo de experiência a que ate agora nos referimos, era a própria pessoa submetida a exame que nos explicava a origem de suas reações, circunstância que subtrai dessas experiências qualquer interesse judicial. Mas o que sucederia se alterássemos a planificação da experiência? Não se poderia adotar processo semelhante ao da resolução de uma equação com várias grandezas, em que se pode optar por qualquer uma como ponto de partida, considerando-se ou o a ou o b como o x procurado? Até agora em nossas experiências a incógnita tem sido o complexo. Escolhemos a esmo as palavras-estímulo, e o sujeito submetido a exame revelou-nos o complexo, que veio a ser expresso através dessas palavras-estímulo. Mas agora vamos abordar a questão de forma diversa. Vamos tomar um complexo conhecido e reagir, nos mesmos, a esse complexo com palavras-estímulo deliberadamente escolhidas, transferindo então o x para a pessoa que está reagindo. Será acaso possível deduzir da maneira pela qual a mesma reage se o complexo escolhido também existe nela? Podem ver os senhores que essa forma de planificação da experiência corresponde exatamente ao método adotado pelo juiz de instrução ao tentar descobrir se o acusado também conhece, sem sua qualidade de agente, alguma coisa de que ele, juiz, tem conhecimento. Wertheimer e Klein, dois discípulos de Hans Gross, professor de direito penal em Praga, parecem ter sido os primeiros a introduzir essa modificação, tão importante para os propósitos dos senhores, na planificação das experiências.
As suas próprias experiências já os levaram a concluir da necessidade de considerar vários pontos nas reações do sujeito para determinar se o mesmo possui o complexo ao qual os senhores estão reagindo com suas palavras-estímulo. Esses pontos são os seguintes: (1) O conteúdo da reação pode ser incomum, o que requer explicação. (2) O tempo de reação pode ser prolongado, pois parece que as palavras-estímulo que tocaram o complexo produzem uma reação apenas após considerável intervalo (intervalo que pode ser muito maior que o tempo de reação comum). (3) Pode haver um engano na reprodução da reação. Os senhores já conhecem o significado desse fato singular. Se o sujeito submeteu-se a uma experiência de associação com uma lista bastante longa de palavras-estímulo, e se depois de um curto espaço de tempo essa lista for-lhe novamente apresentada, ele reproduzirás mesmas reações anteriores, salvo nos casos em que a palavra-estímulo atingiu um complexo; nesse caso é muito provável que o sujeito substitua a sua primeira reação por outra. (4) O fenômeno da perseveração (ou talvez seja melhor empregar o termo ‘efeito secundário’) pode ocorrer. Quando um complexo é despertado, ao ser atingido por uma palavra-estímulo – palavra-estímulo ‘crítica’ -, com freqüência os efeitos disso ( por exemplo, o prolongamento do tempo de reação) persistem e modificam as reações do sujeito ante as próximas palavras-estímulo não-críticas. A presença de várias dessas circunstâncias, ou de todas elas, comprova que o complexo conhecido está presente como fator perturbador na pessoa que está sendo interrogada. Tal perturbação significa que na mente do sujeito o complexo esta catexizado com afeto, sendo capaz de desviar sua atenção da tarefa de reagir; assim, vê-se nessa perturbação uma ‘autotraição psíquica’.
Sei que no momento os senhores se ocupam das potencialidades e das dificuldades desse processo, cuja finalidade e levar o acusado a uma autotraição objetiva. Portanto, gostaria de chamar-lhes a atenção para o fato de que um método semelhante para trazer a tona material psíquico encoberto ou secreto vem sendo utilizado, há mais de uma década, em um outro campo. Pretendo expor-lhes as semelhanças e as diferenças entre as condições desses dois campos.!
O campo que tenho em mente é, na verdade, muito diverso deste dos senhores. Refiro-me a terapia empregada em certas ‘doenças nervosas’ – conhecidas como psiconeuroses – das quais são exemplo a histeria e as idéias obsessivas. O método denomina-se ‘psicanálise’; foi por mim desenvolvido a partir do método ‘catártico’ de terapia, empregado pela primeira vez por Josef Breuer em Viena. Diante do espanto dos senhores, devo estabelecer primeiramente uma analogia entre o criminoso e o histérico. Em ambos defrontamos com um segredo, alguma coisa oculta. Para não incorrer num paradoxo, devo em seguida apontar a diferença. O criminoso conhece e oculta para ele mesmo. Como e possível tal coisa? Ora, através de laboriosas pesquisas, sabemos que todas essas enfermidades resultam do êxito obtido pelo paciente na repressão de certas idéias e lembranças fortemente catexizadas com afeto, assim como dos desejos que delas se originam, de tal modo que não representam qualquer papel em seu pensamento, isto é, não penetram em sua consciência, permanecendo assim desconhecidos para ele. E desse material psíquico reprimido que atormentam o paciente, da mesma forma que uma consciência culpada. Nesse aspecto, portanto, é fundamental a diferença entre o criminoso e o histérico.
A tarefa do terapeuta, entretanto, é a mesma do juiz de instrução. Temos de descobrir o material psíquico oculto, e para isso inventamos vários estratagemas detetivescos, alguns dos quais parece que os senhores, homens da lei, estão prestes a copiar de nós.
Ser-lhes-a profissionalmente interessante saber como nós, os médicos, procedemos na psicanálise. Depois que o paciente nos fez um primeiro relato de sua história, pedimos-lhes que se abandone aos pensamentos que lhe ocorrerem espontaneamente e que diga, sem qualquer reserva crítica, tudo o que lhe vier a cabeça. Como vêem, partimos da hipótese, não compartilhada pelo paciente, de que esses pensamentos espontâneos não serão escolhidos de forma arbitrária, mas determinados pela relação com seu segredo – isto é, com seu ‘complexo’ -, podendo ser encarados como derivados desse complexo. Os senhores observarão que essa hipótese é semelhante a que os auxiliou a interpretar as experiências de associação. Embora tenhamos instruído o paciente a obedecer a regra de comunicar todos os pensamentos que lhe ocorrerem, ele não parece capaz de o fazer. Logo começa a reter pensamentos, dando varias razoes para isso: ou o pensamento não era importante, ou não era pertinente, ou era totalmente sem sentido. A essa altura, insistimos que o revele e o acompanhe, a despeito dessas objeções, pois a presença dessa critica demonstra que o pensamento pertence ao ‘complexo’ que procuramos descobrir. Vemos nesse comportamento do paciente uma manifestação da ‘resistência’ nele presente, que se faz notar durante todo o curso do tratamento. Limitar-me-ei a indicar que o conceito de resistência e da maior importância na compreensão da origem de uma enfermidade assim como do mecanismo de sua cura.
Em suas experiências, os senhores não observam diretamente criticas como essas das idéias espontâneas do sujeito, ao passo que em nossas psicanálises podemos observar todas as indicações de um complexo que se dão a conhecer. Mesmo quando o paciente não mais se atreve a infringir a regra que lhe foi imposta, notamos que de vez em quando hesita ou se cala, ou faz pausas ao reproduzir suas idéias. Cada hesitação dessa espécie é, a nosso ver, uma expressão de sua resistência, e indica uma conexão com o ‘complexo’. Na verdade, nós a encaramos como o sinal mais importante dessa conexão, exatamente como nos casos dos senhores a prolongação análoga do tempo de reação. Habituamo-nos a interpretar desse modo qualquer hesitação, mesmo quando aparentemente o conteúdo da idéia retida nada tem de censurável e quando o paciente afirma reconhecer o motivo de sua hesitação. Via de regra, as pausas que ocorrem na psicanálise são muito mais prolongadas do que as observadas em experiências de reação.
Outro de seus indícios de um complexo – a alteração no conteúdo da reação – também desempenha seu papel na técnica da psicanálise. Em geral também encaramos os menores afastamentos das formas comuns de expressão, em nossos pacientes, como sinal de algum sentido oculto, e nos dispomos a ser ridicularizados por eles ao fazermos interpretações nesse sentido. Na verdade, ficamos a espreita de observações portadoras de qualquer ambigüidade, nas quais transparece, sob uma expressão inocente, um sentido oculto. Não só os pacientes, mas também colegas médicos, que desconhecem a técnica da psicanálise e seus aspectos especiais, não acreditam nesses fatos e nos acusam de exagero e de fazer jogo de palavras; quase sempre, porém, temos razão. Afinal, não e difícil compreender que a única maneira pela qual um segredo cuidadosamente guardado se trai é através de alusões muito sutis ou, quando muito, ambíguas. Por fim, o paciente acostuma-se a nos revelar, por meio do que chamamos de ‘representação indireta’, tudo aquilo de que necessitamos para descobrir o complexo.

O terceiro dos seus indícios de um complexo (enganos – isto é, alterações – na reprodução [da reação]) também é utilizado, embora num setor mais restrito, na técnica da psicanálise. Uma tarefa que freqüentemente se nos apresenta é a interpretação de sonhos – isto é, a tradução do conteúdo lembrado de um sonho para o seu sentido oculto. Algumas vezes não temos certeza por onde devemos começar essa tarefa, e nesses casos empregamos uma regra, descoberta empiricamente, que consiste em fazer com que o sonhador torne a nos contar seu sonho. Nesse mister, em geral ele modifica em alguns pontos sua maneira de expressar-se, embora repetindo com fidelidade todo o resto. E justamente a esses pontos reproduzidos erroneamente, ou então omitidos, que nos prendemos, pois essa imprecisão indica uma conexão com o complexo e promete o melhor acesso ao sentido secreto do sonho.
Se eu agora admitir para os senhores que em psicanálise não se manifesta fenômeno semelhante a perseveração, não devem os senhores concluir que se esgotaram os pontos de concordância que estivemos examinando. Essa aparente divergência deriva-se apenas das condições especiais das suas experiências, pois nelas não se da tempo para que se desenvolva o efeito do complexo. Sua ação apenas começou, quando os senhores distraem a atenção do sujeito com uma nova palavra-estímulo, provavelmente inocente; podem então observar que algumas vezes, apesar de sua interferência, ele continua ocupado com o complexo. Em psicanálise, por outro lado, evitamos tais interferências e mantemos o paciente ocupado com o complexo. Como em nosso trabalho, tudo, por assim dizer, e perseveração, não poderemos observar esse fenômeno como uma ocorrência isolada.
Podemos com justiça afirmar que, em principio, técnicas como as que descrevi permitem-nos tornar o paciente consciente do que nele está reprimido, isto é, do seu segredo, assim removendo a causação psicológica dos sintomas de que ele sofre. Mas antes que os senhores retirem desses resultados positivos conclusões referentes as possibilidades de seu próprio trabalho, examinaremos alguns pontos de divergência entre as situações psicológicas dos dois casos.
Já apontamos a diferença principal: no neurótico o segredo esta oculto de sua própria consciência; no criminoso, o segredo esta oculto apenas dos senhores. No primeiro existe uma autentica ignorância, embora não em todos os sentidos, enquanto no último só existe uma simulação de ignorância. Com essa diferença esta em conexão uma outra que tem grande importância prática. Na psicanálise o paciente ajuda a combater sua resistência através de esforços conscientes, porque espera lucrar com essa investigação, isto é, curar-se. O criminoso, ao contrário, não cooperará com o trabalho dos senhores; se o fizesse, estaria trabalhando contra todo o seu próprio ego. Entretanto, em compensação, em suas investigações apenas os senhores necessitam obter uma convicção objetiva, ao passo que nossa terapia exige que o paciente também adquira essa mesma convicção. Contudo, resta ver ate que ponto essa falta de cooperação do sujeito de seu exame ira dificultar ou alterar o desenrolar do mesmo. Tal situação não pode ser reconstituída em suas experiências num seminário, pois o colega que desempenha o papel de acusado continua, no fim de contas, a ser um companheiro, e os auxiliará, apesar da determinação consciente dele de não se denunciar.
Se examinarem atentamente a comparação das duas situações, verão com clareza que a psicanálise se ocupa com uma forma mais simples e especial de descobrir o que está oculto na mente, ao passo que no trabalho dos senhores a tarefa é mais ampla. Embora não necessitem levar em consideração a diferença de que no caso do psiconeurótico sempre se trata de complexo sexual reprimido (no sentido mais amplo), existe um outro fato que não podem ignorar. O propósito da psicanálise é absolutamente uniforme em todos os casos: é preciso trazer a tona os complexos reprimidos por causa de sentimentos de desprazer e que produzem sinais de resistência ante as tentativas de levá-los a consciência. E como se essa resistência estivesse localizada; surge na fronteira entre o consciente e o inconsciente. Já no caso dos senhores, a resistência origina-se totalmente da consciência, não sendo possível deixar de lado essa diferença. Os senhores, em primeiro lugar, terão de determinar experimentalmente se a resistência consciente denuncia-se exatamente pelos mesmos indícios que a resistência inconsciente. Além disso, em minha opinião os senhores ainda não podem estar seguros de poder interpretar seus indícios objetivos de um complexo como sendo uma ‘resistência’, tal como nos psicoterapeutas fazemos. No caso dos sujeitos de suas experiências, pode acontecer que o complexo atingido seja de acento agradável – embora isso não seja muito freqüente em criminosos -, o que levara a indagar se tal complexo irá produzir a mesma reação que um complexo de acento desagradável.
Gostaria também de assimilar que o teste dos senhores pode estar sujeito a uma complicação que, em virtude de sua própria natureza, não ocorre na psicanálise. Os senhores, em sua investigação, podem ser induzidos a erro por um neurótico que, embora inocente, reage como culpado, devido a um oculto sentimento de culpa já existente nele e que se apodera da acusação. Não julguem essa possibilidade como uma investigação ociosa; lembrem-se que isso pode ser observado com freqüência na infância. Muitas vezes uma criança acusada de uma transgressão nega veementemente sua culpa, embora chore como um criminoso desmascarado. Talvez pensem que a criança mentiu ao afirmar sua inocência, mas isto nem sempre e verdade. Pode ser que, embora não tenha cometido uma falta de que a acusam, tenha cometido uma outra que permanece ignorada e que não lhe foi imputada. Assim, fala a verdade ao negar ser culpada da primeira transgressão, ao mesmo tempo que revela seu sentimento de culpa proveniente da outra falta. Nesse particular, como em muitos outros pontos, o adulto neurótico comporta-se exatamente como uma criança. Muitas pessoas são assim, e ainda é muito discutível se a sua técnica lograra distinguir tais indivíduos auto-acusadores daqueles que são realmente culpados. Finalmente, mais uma questão. Os senhores sabem que, pelas normas do direito penal, é vedado sujeitar o acusado a qualquer medida que o tome de surpresa; portanto, ele devera ter sido advertido de que poderá denunciar-se nessa experiência. Isso leva a perguntar se podem ser esperadas as mesmas reações tanto quando a atenção do sujeito esta dirigida para o complexo como quando esta afastada desse mesmo complexo, e a que ponto a intenção de ocultar alguma coisa pode afetar os modos de reação em pessoas diferentes.
E justamente devido a diversidade de situações que subjazem ao trabalho de investigação dos senhores, que a psicologia se interessa tão vivamente por seus resultados. Gostaria de pedir-lhes que não se desiludissem prematuramente de sua utilidade pratica. Embora meu campo esteja muito afastado da prática judicial, talvez me permitam mais uma sugestão. Por mais indispensáveis que sejam essas experiências realizadas em seminários, tanto como uma preparação quanto como formulação de problemas, os senhores não poderão jamais reproduzir a mesma situação psicológica existente no interrogatório do acusado numa investigação criminal. Essas experiências serão simples exercícios simulados, e nunca poderão fundamentar uma aplicação pratica em casos criminais. Se insistirmos em tentar essa aplicação, um outro caminho se nos apresenta: consigam que lhes seja permitido – ou mesmo imposto como um dever – realizar tais investigações, durante um certo numero de anos, em cada processo criminal real, impedindo que os seus resultados venham a influenciar o veredicto do tribunal. Na verdade, seria preferível que o tribunal não fosse informado da conclusão inferida pelos senhores a partir da investigação relativa a questão da culpa do acusado. Após alguns anos de compilação e comparação dos resultados assim obtidos, quaisquer duvidas sobre a utilidade desse método psicológico de investigação serão esclarecidas. Sei, naturalmente, que a concretização de semelhante proposta não depende somente dos senhores, nem de seus ilustres professores.